Desde 2014, a cidade de São Paulo concedeu 5.967 licenciamentos para empreendimentos que incluem apartamentos enquadrados como Habitação de Interesse Social (HIS) ou Habitação de Mercado Popular (HMP), unidades que obrigatoriamente devem ser vendidas ou locadas a famílias com renda de até dez salários mínimos. A política, criada no bojo do Plano Diretor, transformou o direito de construir mais altura ou aproveitamento adicional em moeda de troca: as incorporadoras que reservaram 40% da área privativa para esse público ganharam, sem pagar outorga, potencial construtivo extra em terrenos valorizados. Para o comprador ou investidor, a existência desse estoque significa acesso a imóveis novos em regiões tradicionalmente caras, com preços entre 20% e 35% abaixo da tabela de venda dos lançamentos vizinhos, já que o teto de comercialização para as unidades HIS/HMP obedece à regra do Programa de Arrecadação e Fiscalização de Interesses Difusos (PAFID), limitando o valor do metro quadrado.
Os valores praticados variam conforme a região. Em 2025, unidades HIS de 42 m² a 52 m² na Zona Leste ou Sul partem de R$ 195 mil; na Zona Central ou na faixa de expansão da Faria Lima, os mesimos plantas chegam a R$ 390 mil, valor ainda inferior ao dos estúdios de 28 m² nos edifícios exclusivos ao redor, que superam R$ 700 mil. O subsídio não está no dinheiro público direto, mas no abatimento de outorga onerosa e na isenção de taxas como o ISS de 2% sobre a venda, fatores que reduzem o custo final. Financiamento pode ser feito pelo SFH, com entrada de 5% e prestação corrigida pelo IPCA mais taxa de juros que, neste ano, ficou em 7,25% a.a. – condição mais vantajosa que o mercado regular, hoje em 11% a.a. Segundo dados da Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento (SMUL), 2020 marcou o pico de lançamentos, com 872 autorizações, e o estoque remanescente começou a ser escoado em 2024, quando a demanda reprimida voltou a aquecer as vendas.
A localização privilegiada é o principal ativo desses apartamentos. A legislação exere que fiquem a, no máximo, 800 m de eixos de transporte de alta capacidade ou áreas com alta concentração de empregos formais. Isso explica a proliferação de torres mistas nos entornos das estações Metrô Santana, Vila Madalena, Ana Rosa e Morumbi, onde o preço médio do terreno chega a R$ 9 mil/m², mas as unidades HIS/HMP são comercializadas a R$ 4,5 mil/m². Para o investidor, a proximidade com centros de trabalho garantiu rentabilidade bruta de 6,5% ao ano no aluguel tradicional, acima dos 5,2% obtidos na mesma região por imóveis sem restrição de renda. Porém, o Ministério Público Estadual identificou que parte dessas unidades foi desviada para locação por temporada, prática que viola o contrato social do PAFID e, desde abril de 2025, está formalmente proibida por decreto municipal; a infração gera multa de R$ 5 mil por dia e a perda do benefício urbanístico pode ser pleiteada em ação civil pública.
A investigação em curso levou a Câmara Municipal a abrir CPI e discutir um projeto de lei que endurece as penalidades: perda da licença do incorporador por cinco anos, registro das restrições na matrícula do imóvel e obrigação de devolução do valor de venda com correção monetária se o comprador não mantiver a moradia por pelo menos cinco anos contínuos. A SMUL informou ter aplicado 28 multas, mas reconhece que a maioria recai sobre edificações de pequeno porte em distritos periféricos, onde o valor envolvido é menor. Enquanto o novo marco não é aprovado, o mercado segue negociando o estoque remanescente: cerca de 2.300 unidades HIS/HMP ainda em construção ou na planta, concentradas nas regiões Sul, Leste e Centro, com previsão de entrega entre 2026 e 2027.
